terça-feira, 28 de julho de 2009

A primeira sinfonia da floresta, VI.

Era um novo dia. Tinha eu, adormecido ao lado daquelas crianças. Me parecia um lugar tão, mas tão confortável, confortável para alma. Elas ainda foram muito boas para comigo, e compartilharam algumas vestes que lhe eram grandes. Já não me encontrava parcialmente nú.
Apesar daquilo tudo eu não poderia parar por ali. Então resolvi conhecer mais a cidade. Por ela toda haviam placas de produtos à venda, por três, seis, ou até doze vezes sem juros. Carros, perfumes, roupas, viagens, apartamentos, jóias. Afastando-me mais do centro da cidade, vi pessoas se agredirem, vi pessoas se venderem, as vi se desesperarem. Vi pessoas se acusarem como se todas fossem juízes e assassinos, ao mesmo tempo. O asfalto já não cobria mais a rua e as pessoas já não se intrigavam mais comigo. Me questionei se era por que agora eu estava com o corpo mais coberto, mas não me importei. Aquele lugar não me apavorava mas também não me atraia. Não era o que eu queria.
Encontrei uma estrada. Segui por ela, e quanto mais andava mais ela se estreitava e mais verde havia para me cercar. Quando percebi, estava subindo um monte. Aquele lugar parecia uma obra de arte que circulava você. O Sol, entrando pelo alto das árvores e antigindo cada flor, cada folha, iluminava tudo intensamente, como se a própria vegetação brilhasse. O vento, hora violento, hora sereno, criava uma ópera nos assobios dos vãos entre as copas e seus galhos. Harmonia que o ser humano perdeu o dom de reproduzir.
Subi, subi, e subi, e no final de tudo encontrei uma bicicleta. Avancei, na procura de um dono para a mesma. Encontrei, por fim, uma menina numa clareira.
Seu corpo era curvilíneo e sensual, e mais sensual ainda era discrição com qual ela se mantinha, sem exibí-lo vulgarmente. E para o contraste, seu rosto era delicado e sereno, com um ar de inocência indescritível. Mantinha-se compenetrada, em seu caderno, anotando num movimento doce de círculos e retas, num vai-e-vem com a sua mão e uma caneta. Observei, pasmado, eu estranhamente reconhecia o seu rosto. Após poucos minutos observando-a, ela notou minha presença. Mas não se assustou.
E falou com uma segurança que parecia abafar a minha própria:
- Deseja algo, garoto?
- N-Não, estou apenas conhecendo esses lados da cidade.
Então ela me observou bem, parecendo dissecar a minha própria alma, e disse - Você não parece ser perigoso. Então por quê permanecia observando? - fechou o caderno, e pousou-o no seu colo. Não tive coragem de responder. Era tudo harmonicamente bem feito, bem encaixado, e funcional, e eu não conseguia entrar em harmonia. E olhando ela permanecia, sem nenhum ar de desprezo ou de raiva. Isso, era o fator que causava medo.
- Vamos, eu não posso adivinhar o que se passa na tua cabeça. - e sorria serenamente.


Deixe-me levar. Respirei fundo e deixei os assobios do vento ecoarem dentro de mim. Tomei coragem, e finalmente respondi - Me espantei, com a presença de alguém aqui. Ainda mais quando vi uma senhorita como você. Ainda mais que presumi que não deveria ter ninguém por cantos como esse. - Ela riu, balançou a cabeça e olhou para mim. Convidou-me para fazê-la companhia. E eu aceitei.

sábado, 18 de julho de 2009

O pior dos monstros, V.

Eu passava pelas ruas e via as pessoas se espantarem com a minha presença. As crianças, inocentes, que se aproximavam, sempre eram reprimidas à chegar perto pelos seus pais castradores e preocupados em manter a reputação de suas crias. Os pequenos, olhavam como uma réplica, querendo dizer "Por quê, o que há de mal nele?". Sabia muito bem disso, afinal, eu também queria saber. Talvez minha aparência e etiqueta não correspondesse aos bons e velhos hábitos que um garoto da minha idade deveria seguir. Ou, ainda mais, talvez eu fosse disforme e não tivesse percebido até o momento. Mas era tão ruim ser discriminado e marginalizado assim.
Após muito andar sob o brilho das luzes de prédios e placas anunciando diversão enlatada e em série, eu encontrei uma ponte. Calma, sem muito tráfego, abaixo dela havia um canto escuro e aparentemente vazio, apavorante, mas apropriado. Desci com cuidado por um monte de terra, e encontrei um grupo de crianças também mal trajadas e sujas. Não me aproximei, decidi ficar no meu lugar e descansar por que a noite já chegara. Mas elas à fizeram, eram em torno de oito, e formaram uma roda ao meu redor. Curiosas, perguntavam de onde vim, para onde eu iria, por que estava ali. Não havia outra resposta senão "não sei".
Essas crianças eram tão puras e inocentes quanto as outras bem trajadas e castradas. Mas elas tiveram impostas sua liberdade e foram marginalizadas, como eu. Mas elas simplesmente não se importavam, aquilo tudo parecia não atingí-las. Era como se a inocência fosse um casulo que enquanto você não conhece as coisas do mundo você é protegido delas. Mas eu, já conhecia o desprezo, a raiva, o medo.


E parecia que a inocência já decidira não me proteger mais...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Olhem para mim, IV

Estava acordando e minha visão ainda estava meio embaçada, sentei-me, esfreguei os olhos, e vi um homem parado na minha frente. Olhava com ar de terror. Como se eu tivesse tirado tudo dele.
Perguntei à ele então - Que lugar é esse, e que placas são essas? - ele então suspirou e falando como se fosse óbvio - Aqui é o lugar onde as pessoas repousam até degradarem, rapaz, e aquelas placas guardam os nomes dos infelizes que já descansam. - Desde então ele pareceu mais relaxado. Ele virou e seguiu em direção à um cásebre mal-feito, mastigando uns pedaços de erva e guardando eles num papel.
Era com certeza um pouco dramático olhar para eles. Parados ali, sem ter escolha do que fazer. O pior de estar ali, era perder a vontade. E eles, tinham-na perdido.
No meio daquilo tudo tinha uma árvore. Viçosa, parecia que ela era intacta ao resto do mundo e às suas explosões. Então, olhei bem ao redor dela, e vários frutos podres ao seu redor, e outros no auge do sabor pendurados nos seus galhos. Parecia que ninguém os saboreava, e eles simplesmente caiam no chão e apodreciam. Então eu subi nela, com muito esforço já que eu não tinha força nenhuma, e colhi alguns deles, e comi como quem nunca tinha feito uma refeição na vida, sentando na raiz da árvore. E as pessoas que visitavam aquele recinto me olhavam umas com cara de terror, outras de piedade, e umas que eram todas empiriquetadas me olhavam até com cara de desprezo. Ignorei, e terminei de comê-las. Afinal, as frutas que iam cair sem que ninguém saboreasse, iam ser essas pessoas mesmo. Iam perder o ânimo de viver, e ficar num pedaço de chão qualquer às margens da sociedade.

E pensar que até ali, eu só tinha conhecido as margens da sociedade.