Era um novo dia. Tinha eu, adormecido ao lado daquelas crianças. Me parecia um lugar tão, mas tão confortável, confortável para alma. Elas ainda foram muito boas para comigo, e compartilharam algumas vestes que lhe eram grandes. Já não me encontrava parcialmente nú.
Apesar daquilo tudo eu não poderia parar por ali. Então resolvi conhecer mais a cidade. Por ela toda haviam placas de produtos à venda, por três, seis, ou até doze vezes sem juros. Carros, perfumes, roupas, viagens, apartamentos, jóias. Afastando-me mais do centro da cidade, vi pessoas se agredirem, vi pessoas se venderem, as vi se desesperarem. Vi pessoas se acusarem como se todas fossem juízes e assassinos, ao mesmo tempo. O asfalto já não cobria mais a rua e as pessoas já não se intrigavam mais comigo. Me questionei se era por que agora eu estava com o corpo mais coberto, mas não me importei. Aquele lugar não me apavorava mas também não me atraia. Não era o que eu queria.
Encontrei uma estrada. Segui por ela, e quanto mais andava mais ela se estreitava e mais verde havia para me cercar. Quando percebi, estava subindo um monte. Aquele lugar parecia uma obra de arte que circulava você. O Sol, entrando pelo alto das árvores e antigindo cada flor, cada folha, iluminava tudo intensamente, como se a própria vegetação brilhasse. O vento, hora violento, hora sereno, criava uma ópera nos assobios dos vãos entre as copas e seus galhos. Harmonia que o ser humano perdeu o dom de reproduzir.
Subi, subi, e subi, e no final de tudo encontrei uma bicicleta. Avancei, na procura de um dono para a mesma. Encontrei, por fim, uma menina numa clareira.
Seu corpo era curvilíneo e sensual, e mais sensual ainda era discrição com qual ela se mantinha, sem exibí-lo vulgarmente. E para o contraste, seu rosto era delicado e sereno, com um ar de inocência indescritível. Mantinha-se compenetrada, em seu caderno, anotando num movimento doce de círculos e retas, num vai-e-vem com a sua mão e uma caneta. Observei, pasmado, eu estranhamente reconhecia o seu rosto. Após poucos minutos observando-a, ela notou minha presença. Mas não se assustou.
E falou com uma segurança que parecia abafar a minha própria:
- Deseja algo, garoto?
- N-Não, estou apenas conhecendo esses lados da cidade.
Então ela me observou bem, parecendo dissecar a minha própria alma, e disse - Você não parece ser perigoso. Então por quê permanecia observando? - fechou o caderno, e pousou-o no seu colo. Não tive coragem de responder. Era tudo harmonicamente bem feito, bem encaixado, e funcional, e eu não conseguia entrar em harmonia. E olhando ela permanecia, sem nenhum ar de desprezo ou de raiva. Isso, era o fator que causava medo.
- Vamos, eu não posso adivinhar o que se passa na tua cabeça. - e sorria serenamente.
Deixe-me levar. Respirei fundo e deixei os assobios do vento ecoarem dentro de mim. Tomei coragem, e finalmente respondi - Me espantei, com a presença de alguém aqui. Ainda mais quando vi uma senhorita como você. Ainda mais que presumi que não deveria ter ninguém por cantos como esse. - Ela riu, balançou a cabeça e olhou para mim. Convidou-me para fazê-la companhia. E eu aceitei.
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Um comentário:
Era a guria do sonho?
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