O caminho da ponte onde eu estava morando com aquelas crianças até a mata era longo. Quando percorria por ele, sempre observava com olhos curiosos todas aqueles clarões e alegorias que a cidade expunha. E reparando com mais atenção, percebi que tudo estava muito mais agitado do que deveria, mas não me importei muito e segui.
Quando cheguei no subúrbio que era o último lugar a passar antes de chegar na floresta, a agitação tornou-se mais intensa. Pessoas correndo e fugindo de homens com seus quepes pretos, disparando com suas engenhocas de desfazer a vida, na direção daqueles que corriam. Tentei me abrigar. Foi quando eu o vi.
Aquele homem que me assustara tanto naquela prisão reaparecia. Com seu quepe que aquela vez estava na sua mão. A minha cabeça não tomou outra decisão senão correr. Foi quando abrindo um sorriso ele disparou contra mim. Parecia que daquela vez seu dedo estava atrofiado pelo pavor da explosão, e que ele só sentiu-se aliviado assim.
O ombro esquerdo fisga. Eu sinto um pedaço de metal quente dentro de mim, e o meu sangue tão quente quanto, pulsa para fora. Tudo estava fechado, as pessoas tinham medo de todo aquele Caos que reinava lá fora. Mas um armazém todo acabado que parecia ser o começo daquilo tudo estava aberto ainda. Decidi me esconder por lá.
Eu fitei o sangue pulsar do meu corpo. E as lágrimas escorreram, e não era por dor. Era por ódio. Um ódio tão denso, quente e vermelho quanto o meu sangue. E quanto mais o sangue escorria, mais o meu ódio latejava. Escutei passos adentrando o armazém, duros, com seu toc toc querendo se abafar, como se a paciência do andar fosse disfarçar. Encontrei então, uma barra de ferro e me escondi.
"Apareça, marginalzinho! Não existem heróis para te salvarem agora! Você sabe que não adianta se esconder, você sempre foi impotente!"
Permaneci quieto. Esperei como uma cobra espera sua presa, e quando ele surgiu na minha vista eu não vi mais nada.
Eu só enxerguei depois, o corpo dele com a cabeça em pedaços e sangue, muito sangue.
E depois disso, por mais que o medo existisse ele se tornou irrelevante.
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